Ao longo dos séculos XX e XXI, tornou-se frequente os poetas associarem a criação verbal a outras expressões artísticas. Se a exploração das relações de intermedialidade e transmedialidade se tornou mais comum na criação contemporânea, no século XX já foram muitos os autores a praticar um ofício múltiplo, ora votados à poesia escrita, ora trabalhando a imagem plástica ou a imagem em movimento, ora dedicando-se a outros tipos de actuação. Propomo-nos ler alguns destes autores plurais e diversificados nas linguagens artísticas a que recorrem, e usamos a noção de ofício múltiplo para descrever o recurso destes criadores a uma multiplicidade de meios criativos.
Os autores de ofício múltiplo levam-nos a reequacionar o sistema das artes. Ao enfatizarem diversas possibilidades de cruzamentos de formas, ao desafiarem as fronteiras tácitas que separam os meios (ou deixaram de os separar efectivamente), fazem-nos dar um novo relevo a obras muitas vezes menos valorizadas por, ao mesmo tempo, pertencerem a diversas artes e a nenhuma. Integrando-se directamente no projecto «Literatura e Fronteiras do Conhecimento, políticas de inclusão», desenvolvido pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, esta pesquisa descreve uma múltipla travessia de limites. Trata-se de desafiar a divisão epistemológica entre as artes, experimentando formas de encontro: menos a confirmação das separações do que a sua transgressão, ou mesmo o seu esbatimento. E não por desprezo das diferenças, mas por uma maior atenção à especificidade dos meios e das suas combinações.