O Caso Callas: Metamorfoses da Aura na Era Digital
João Pedro Cachopo (Universidade Nova de Lisboa)
Sala 308
15hoo
Resumo: Quase meio século após a morte de Maria Callas (1923-1977), o mito da cantora persiste. Na verdade, parece intensificar-se. Esta intensificação não é de ordem meramente quantitativa. Surgem não só novas exposições, documentários e biografias, mas também projetos de outra índole, inéditos na sua complexidade e audácia tecnológicas. Em 2017, Tom Volf lançou o projeto Maria by Callas, que incluiu uma exposição imersiva e um documentário. Em 2018, estreou Callas in Concert, um espectáculo ao vivo com um holograma da diva. Finalmente, em Setembro de 2020, foi a vez de a ópera-performance 7 Deaths of Maria Callas de Marina Abramović subir ao palco da Bayerische Staatsoper. O caso Callas dá corpo a um fenómeno que estende para além do domínio da ópera. Ele revela um paradoxo mais amplo em que euforia tecnológica e nostalgia cultural se entrelaçam. Por um lado, é patente o fascínio pela proliferação de cópias, imagens e duplos, aliado a uma disposição para abraçar as mais avançadas tecnologias audiovisuais no afã de evocar a presença e a memória da artista. Por outro lado, persiste uma obsessão pelo original, ou, para ser mais preciso, pelos valores da originalidade: a verdade, a autenticidade, a presença. De facto, não é por acaso que o documentário Maria by Callas se baseie exclusivamente nas palavras da cantora, que Callas in Concert reproduza meticulosamente um concerto ao vivo ou que a presença de Abramović domine o palco e o ecrã de 7 Deaths of Maria Callas. Tudo isso levanta uma questão fundamental: numa era caracterizada pelo triunfo da reprodutibilidade técnica, a aura declina ou sofre uma metamorfose? E o que nos diz a aceleração do mito de Callas, não apenas sobre o artista, mas também sobre nós e o nosso tempo?
João Pedro Cachopo lecciona Filosofia da Música na Universidade Nova de Lisboa, sendo investigador do Centro de Estudos de Sociologia e Estética da Música. O seus interesses incluem o cruzamento entre estética, política e tecnologia, a relação entre as artes e questões de performance, dramaturgia e remediação. É o autor de Callas e os Seus Duplos (Sistema Solar, 2023), A Torção dos Sentidos (Sistema Solar, 2020; Elefante, 2021), traduzido para inglês como The Digital Pandemic (Bloomsbury, 2022), e Verdade e Enigma: Ensaio sobre o Pensamento Estético de Adorno (Vendaval, 2013), que recebeu o Prémio do PEN Clube Português na categoria de Primeira Obra em 2014. Co-editou Rancière and Music (Edinburgh UP, 2020), Estética e Política entre as Artes (Edições 70, 2017) e Pensamento Crítico Contemporâneo (Edições 70, 2014). O seu trabalho foi publicado em revistas como Opera Quarterly, New German Critique e Sound Stage Screen. Entre 2017 e 2019, foi Marie Skłodowska-Curie Fellow na University of Chicago. Actuou como Professor Visitante na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2016), na Universidade Estadual de Campinas (2016) e na Universidade de Brasília (2022), tendo sido Investigador Visitante na University of Durham (2012) e na Columbia University in the City of New York (2015).